"Chovera toda a noite. As ruas eram autênticas ribeiras, arrastando na enxurrada toda a espécie de detritos. Os carros passando a alta velocidade espalhavam, indiferentes, água suja sobre os transeuntes, molhando-os e sujando-os.
O
Pedrito seguia também naquela onda humana, sem destino. Tinha-se escapulido da
barraca, onde vivia. Os pais tinham saído cedo para o trabalho, ainda ele
dormia.
Ele
desceu à cidade, onde tudo o deslumbrava. Todo aquele movimento irregular,
caótico, frenético. Os automóveis em correrias loucas, as gentes apressadas nos
seus afazeres. E lá seguia pequenino, entre a multidão, numa cidade impávida,
indiferente, cruel mesmo.
Passava
em frente às pastelarias, olhava para as montras recheadas de doçuras, ele comera
de manhã um bocado de pão duro e bebera um copo de água. Vinha-lhe o aroma
agradável dos bolos, o seu pequeno estômago doía-lhe com fome!
Chovia
agora mansamente, uma chuva gelada, levando uma cidade onde se cruzavam o
fausto, a vaidade, o ter tudo, os embrulhos enfeitados das prendas, com a dor a
melancolia, o sofrimento, o ter nada e no meio uma criança triste e com fome!
Mas
o Pedrito gostava era de ver as lojas dos brinquedos. Lá estavam os carros de
corrida, o comboio, os bonecos, enfim todo um mundo maravilhoso que ele vivia,
esborrachando o nariz sujo contra a montra. Lá dentro ia grande azáfama nas
compras de Natal. E os carros de corrida, o comboio, os bonecos eram
embrulhados em papeis bonitos para irem fazer a alegria de outros meninos.
Uma
lágrima descia, marcando-lhe um sulco na sujidade da carita. Eis que os seus
olhos reparam num menino, que de lá dentro o olhava.
Desviou-se envergonhado. Não gostava que o
vissem chorar. E afastou-se devagar, pensando nos meninos que tinham Natal,
guloseimas e carros de corrida para brincar. Ele nada tinha, além da fome e a
ânsia de ser feliz e viver como os outros. Pensou no Natal, no Menino Jesus,
que diziam que era amigo das crianças a quem dá tudo. Por que é que a ele o
Jesus Pequenino do presépio nada dava?
De
repente, uma mãozinha tocou-lhe no ombro. Voltou-se assustado. Era o menino da
loja que lhe metia na mão um embrulho bonito. À frente a mãe, carregada de
embrulhos, fazia de conta que nada via.
Abriu-o
e deslumbrado viu um carro de corridas, encarnado, brilhante, como os olhos do
menino que lá ao longe lhe acenava. Ficou um momento sem saber o que fazer, mas
depois largou a correr, mostrando bem alto a sua prenda de Natal.
Parara
de chover. O sol tentava romper as nuvens escuras, lançando um raio de luz
brilhante e quente sobre o Pedrito, que ria feliz, numa carita sulcada pelas
lágrimas."
lindo!! <3
ResponderEliminarLinda esta história de Natal, infelizmente é intemporal...tanto pode ter 40 anos como passar-se no Natal deste ano.
ResponderEliminarBeijinhos Amiga.
Olá, Teresa
ResponderEliminarMuito comovente este conto de Natal!
O Pedrito foi bafejado pela sorte. Oxalá acontecsse o mesmo a tantos, tantos, meninos (e meninas) esquecidos de todos e de tudo...
Continuação de boa semana.
Beijinhos
Mariazita
(Link para o meu blog principal)
O carrinho vermelho era um Ferrari. Durante toda a meninice e sempre que o deixavam, brincava com o carrinho. Depois guardou-o religiosamente. Até que um dia, já adolescente, viu um Ferrari verdadeiro, vermelho como o seu. Passou a sonhar com um Ferrari, até que um dia...
ResponderEliminar(O resto ficará, quem sabe, para outro conto de Natal).
Bons poemas e contos e um bjo. de Bom Natal.
Teresa,
ResponderEliminarO conto é lindo, termina bem para a época, mas quantos Pedritos não terá o Mundo e até mesmo só o nosso Portugal? Faz-me sentir mal sempre, mas agora é muito pior, estar à mesa e saber que noutros lugares, muitas vezes, nem a própria mesa existe. Para mim tudo o que é falta do essencial põe-me num estado de tristeza.
De qualquer modo, desde que o mundo é mundo que a história se repete e não tenhamos dúvidas que se repetirá por toda a vida.
Grande beijinho, um Natal feliz e com muita saúde.
Comecei a ler este conto com displicência, do género "vamos lá fazer o sacrifício de ler isto até ao fim..." Só que, aos poucos, fui-me envolvendo na história, e até eu me senti a mirar uma montra cheia de coisas lindas. E senti a amargura que aquele menino franzino e e sujo sentiu. É triste ser-se deserdado da fortuna. Felizmente que há histórias com final feliz.
ResponderEliminarBem hajas pela partilha!
num natal real, "à séria" deitavam-lhe logo a mão e ía para a esquadra acusado de ter roubado o brinquedo. alguma vez alguém assim sujo e com mau aspecto podia ter dinheiro para tal mimo? e se tivesse é porque o roubara a alguém. assim funciona esta sociedade..ou como alguém já lhe chamou: Zoociedade.
ResponderEliminarnum natal real, o pedrito seria logo travado na corrida e ia parar a esquadra, acusado de ter roubado o carro. pois como é que alguém com aquele aspecto o podia ter de outra forma que não roubando-o? assim é a sociedade em que vivemos: torna inverosímeis histórias que acabem em bem. ou como alguém já lhe chamou: Zoociedade humana.
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