O
dia amanheceu soalheiro e bonito.
Contrastando
com a luminosidade do dia, Maria sentiu-se cinzenta.
Após
uma noite de insónia, levantou-se com uma sensação estranha de perda!
Era
dia de S. Martinho e a recordação desse dia em anos passados e felizes
colocou-lhe um travo amargo na boca e um peso estranho no coração.
A
quietude da casa, que geralmente não a incomodava, fê-la estremecer!
Que
coisa … pensou ela, há alturas em que o silêncio faz um ruído ensurdecedor.
Olhou
o relógio, eram 10,30h.
Tomou
um duche rápido e vestiu-se… precisava sair dali, andar, ver gente…
Antes
de sair parou em frente ao espelho – a juventude tinha passado, a alegria de
menina também – mas que diabo, estava viva, tinha saúde e sorriu ao pensar na
resposta que em tom de troça dava, quando lhe perguntavam a idade…” eu não
tenho idade, tenho vida para viver! “
Andou
sem destino, com o sol morno a beijar-lhe o rosto – lentamente começou a
acalmar – foi olhando as árvores e as raízes que as prendiam à terra.
Aquelas
raízes sempre a fascinaram, bem que gostava de as saber pintar, mas as imagens
ficavam-lhe na memória, quem sabe um dia aprenderia a técnica de as reproduzir
no papel.
Sentiu-se
cansada e resolveu parar na esplanada do parque para beber um café, agua e ler
o jornal antes de regressar a casa.
Nisto
ouviu uma voz masculina, mesmo por cima do ombro… desculpe, está sozinha? Posso
fazer-lhe companhia?
Maria
olhou para o homem e pensou… “não me faltava mais nada!...” e respondeu pura e
simplesmente:
Não,
não pode, não me apetece companhia nem conversar!
O
tom não devia ter sido amistoso, porque a criatura nem respondeu e foi
sentar-se na mesa da frente e ficou a olhá-la com ar aparvalhado tal e qual um
burro a mirar um fardo de palha!
Com
uma vontade de dar uma gargalhada, levantou-se e regressou a casa.
Não
tinha fome para almoçar, comeu um yogurt e uma peça de fruta.
Ligou
a musica e enquanto ouvia as Valquírias de Wagner, pegou nos pincéis – não é
que soubesse pintar, mas agarrada a eles não dava pelo passar do tempo.
Voltou
a recordar a cena da esplanada – todas as mulheres sonham com um príncipe
encantado, mas a ela tinha-lhe saído um jumento com ar de esfomeado -!
Já
ia escurecendo e Maria pensou para consigo… o dia 11 está a terminar, amanhã é
um novo dia!
Gosto particularmente da árvore de cima !
ResponderEliminarUm beijo.
O São Martinho ficou conhecido por dar metade da capa a alguém que tinha frio. Fez uma boa acção e foi prudente, ficando com a outra metade para si, pois o frio quando chega é para todos.
ResponderEliminarOra bem, como São Martinho não te portaste tu, ao não dares (pelo menos) metade da tua companhia a quem ta pediu. É certo que o dia até estava quentinho, mas o calor humano é coisa que dá sempre jeito.
Ainda por cima o homem é comparado a um burro a olhar para um fardo de palha. Mas que rico fardo de palha devia ser... :))
Quanto às pinturas, já uma vez aqui disse que tens sensibilidade e "jeito prá coisa",
Acho os troncos assim despidos e torturados muito bonitos.
E mais não digo, porque não sei dizer.
Bjo.
Olá amiga, não sei se seguiu um comentário que tinha começado e desapareceu, mas estava a dizer-lhe que tenho andado numa roda viva desde o dia 28 de Outubro porque o meu marido foi operado a um joelho, com prótese total e desde as corridas ao Hospital de Sant'Ana na Parede, às logísticas de uma pessoa em casa com mobilidade deficiente, é uma estafa. Agora estamos na fase da fisioterapia, que é feita no Hospital para maior segurança de recuperação, mas implica a deslocação diária à Parede, esperar lá que ele acabe o tratamento e voltar. Acresce toda a organização habitual da casa, compras, filho, nora e neto às vezes, enfim ,só de vez em quando tenho um tempinho para mim.
ResponderEliminarPercebo que sinta alguma nostalgia por estar só e por isso lhe digo que saia, ouça música, arranje com quem conversar, mas que valha a pena para desanuviar, não lhe vá calhar alguém que só fale de problemas.
Um grande beijinho, muita saúde e ânimo e vá aparecendo.
Teresa
Desculpe a minha entrada assim, sem permissão (nem sequer pedido dela...).
ResponderEliminarAndava por aí, parando aqui e acolá, e resolvi entrar.
Comecei a ler este texto, assim numa de curiosidade, e aos poucos fui-me interessando deveras.
Identifiquei-me muito com o que aqui é descrito. Há dias terríveis, de solidão quase inexplicável, mas palpável.
Depois dei uma olhadela rápida aos posts anteriores. Gostei.
Vou-me fazer seguidora, para não perder o rasto...
Se quiseres aparecer pelo meu cantinho, lá estarei de braços abertos :)
Um feliz Domingo.
Beijinhos
Mariazita
(Link para o meu blog principal)
As raízes de algumas árvores centenárias lembram patorras disformes, de monstros estranhos, agarradas ao chão. As árvores sempre me inspiraram respeito e admiração. Com elas mantenho uma relação de amor e distanciamento. Elas são esquivas e difíceis de abordar. Nas minhas horas de pasmo, nos abrasados plainos alentejanos, por vezes, dou por mim a olhar as velhas oliveiras e azinheiras, algumas já centenárias, torturadas pela sede e pela canícula, de desvairados braços levantados aos céus, numa prece muda, de divindade indú. E tento vislumbrar os homens que as plantaram. Naquele momento telúrico, certamente que foram invadidos pela luz da eternidade... ninguém planta já uma árvore numa sociedade do imediato e do lucro rápido.
ResponderEliminarUm dia, convido-te para te guiar ao reino das árvores milenares e quem sabe - certamente com pudor - te ensinarão a pores na tela os segredos das suas raízes agarradas à vida!
Jardineiro
Como não há post novo... fui ver, atentamente, o anterior, já que só tinha dado uma vista de olhos.
ResponderEliminarTrês anos de blog já não é muito pouco... O meu blog «CASA» vai fazer seis anos no dia 14 de Fevereiro - os outros dois, agora em standby, são mais recentes.
Ter um blog é muito interessante, na minha opinião, mas nem sempre há disposição para o actualizar.
No seu caso, com todos os problemas que connosco partilha - perdas irremediáveis, doenças na família (Mãe) e todas as outras exigências que a vida nos apresenta... não deve ter sido mesmo nada fácil.
Mas... esperemos que o pior tenha passado, e agora possa dispor de mais tempo e, acima de tudo, disposição, para nos trazer as suas palavras e pensamentos.
Que sua semana seja luminosa.
Mariazita
(Link para o meu blog principal)
Beijinhos